Postagem 10/10/2025 – 18h00
“O Prêmio Nobel da Paz nasceu com a vocação de distinguir aqueles que, em meio às convulsões do mundo, consagram suas vidas à conciliação, ao diálogo e à fraternidade entre os povos.
Não se trata de um troféu político ou de um artifício de propaganda, mas de um símbolo moral universal, destinado a reconhecer quem transformou o ideal da paz em ação duradoura e desinteressada.
Por isso, causa perplexidade a simples hipótese de se cogitar o nome de Donald Trump — um político cuja trajetória pública foi marcada pela retórica do confronto, pela degradação do debate cívico e pela fragmentação das alianças internacionais — para uma distinção dessa natureza.
A paz não é fruto do exibicionismo diplomático nem do marketing eleitoral: é conquista lenta, feita de renúncia e de generosidade.
A comparação de Donald Trump com Mahatma Gandhi impõe-se de modo inevitável e desconcertante. Gandhi foi o apóstolo da não violência, o artífice de uma revolução moral sem precedentes — e, ainda assim, jamais recebeu o Nobel da Paz ! O próprio Comitê Norueguês, décadas depois, reconheceu essa incompreensível omissão como um de seus mais graves equívocos históricos.
Se o mundo negou o prêmio ao homem que libertou uma nação pela força do exemplo e pela pureza da palavra (Gandhi), como se justificaria concedê-lo a quem, como Donald Trump, tantas vezes alimentou divisões, cultivou ressentimentos, valeu-se. da prática da humilhação como arma simbólica de sua política externa (como observa José Sócrates, ex-Primeiro-Ministro de Portugal), fundada em uma inconcebível “diplomacia do desprezo” (caso de Zelenski) e instrumentalizou a política como arena de hostilidade ?
O Nobel não se destina a recompensar o poder, mas a celebrar a humanidade. E a humanidade, neste caso, recomenda silêncio — e não aplauso a uma eventual outorga a Trump de um imerecido Prêmio Nobel da Paz!
Há pessoas e instituições que engrandecem o Prêmio Nobel da Paz ! Nisso consiste o valor moral das distinções humanas ! Seria esse o caso de Trump?
A “Oração aos Moços” (1920) — discurso aos bacharelandos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), minha “alma mater” (Turma de 1969) — contém uma das formulações mais belas do pensamento ético de Ruy Barbosa.
Nesse discurso – que foi lido pelo Professor Reynaldo Porchat -, Ruy Barbosa, o grande Advogado e jurisconsulto baiano (ele próprio formado pelas “Arcadas” do Largo São Francisco, Turma de 1870), distingue o mérito verdadeiro, que é moral e desinteressado, das honrarias exteriores, que são passageiras e corruptoras:
“As distinções humanas, meus senhores, valem não pelo que deslumbram, mas pelo que significam.
Não é o prêmio que faz o merecimento, é o merecimento que dá dignidade ao prêmio.
O aplauso da turba é o eco da vaidade; o reconhecimento silencioso das consciências é o selo da virtude.” (“Oração aos Moços”, 48–49)
Como adverte Ruy, em outro texto lapidar, desta vez sobre “A Imprensa e o Dever da Verdade (1919), impõe-se ter presente a função moral da palavra e da fama: “não basta receber homenagens, é preciso merecê-las !
A honra exterior deve ser o reflexo de uma virtude interior, e não o disfarce de uma vaidade satisfeita.”
Indicar Trump ao Nobel da Paz, sem méritos concretos, é uma distorção histórica do sentido do prêmio. Todo prêmio concedido sem mérito será uma confissão de erro.
E a maior homenagem que se pode prestar à paz, em tempos de ruído, de violência e de vaidade ostensiva, é não a trair com o aplauso indevido.
O pensamento de Ruy Barbosa, acima exposto, ilumina, com notável atualidade, a reflexão contida neste texto.
A crítica à hipótese de se premiar Donald Trump com o Prêmio Nobel da Paz, enquanto Gandhi jamais o recebeu, não é uma simples discordância política: é uma reação moral, moldada pela mesma lógica que Ruy formulou há mais de um século.
Do mesmo modo, conceder o Nobel a quem dividiu em vez de unir, a quem construiu muros em vez de fortalecer a amizade entre as nações, a quem desrespeitou a dignidade de imigrantes, seria converter um símbolo moral em objeto de vaidade.
Assim, enquanto Gandhi repousa sem o Nobel da Paz, todo prêmio sem mérito será apenas o reflexo da vaidade humana, e não a luz de um julgamento moral!
Por isso, quando se cogita conceder tal honra a quem erigiu muros em vez de pontes, fomentou rancores em vez de reconciliação e confundiu o poder com a verdade, a consciência universal estremece e se mostra indignada !
Porque há símbolos que não podem ser profanados sem que o próprio sentido que eles representam se dilua.
O nome de Mahatma Gandhi — o homem desarmado que enfrentou o império britânico — paira como uma interrogação moral sobre a história do Nobel da Paz.
O Comitê de Oslo jamais o premiou.
E, no entanto, o mundo inteiro lhe conferiu, sem deliberação e sem voto, o título mais alto que um ser humano pode receber: o de testemunha viva da paz.
Como, pois, justificar que o mesmo galardão possa ser outorgado a quem tantas vezes transformou a palavra em arma, o discurso em cisão, e a política em espetáculo de vaidade?
Em suma: a outorga a Donald Trump do Prêmio Nobel da Paz, por constituir uma escolha errada, transformará a distinção em ironia, e o laurel em caricatura …
Uma meditação sobre o valor moral do Prêmio Nobel da Paz, a omissão histórica em relação a Mahatma Gandhi e o paradoxo de se cogitar sua concessão a quem simboliza o oposto do ideal que o prêmio pretende consagrar constituem razões idôneas para negar a Donald Trump a outorga dessa imensa honra !”
(CELSO DE MELLO, Ministro aposentado e ex-Presidente
do Supremo Tribunal Federal, *biênio* 1997-1999)

