Dilexit nos – Ele nos amou

Encíclica de Francisco sobre o Sagrado Coração de Jesus

         A “Dilexit nos” publicada em 24 de outubro de 2024 pelo Papa Francisco discute o amor humano e divino do Coração de Jesus. Nesse contexto contemporâneo, o documento realça a importância dessa devoção como símbolo do amor transformador e constante de Cristo. Para Francisco, o Coração é fonte de inspiração para os cristãos enfrentarem as dificuldades da vida, cultivando uma relação íntima com o Senhor; trata-se da quarta encíclica de seu pontificado. O ponto de partida do texto é a devoção ao Sagrado Coração, precisamente as celebrações do 350º aniversário da sua primeira manifestação a Santa Margarida Maria Alacoque em 1673. Há três séculos e meio, em 27 de dezembro, Jesus apareceu à jovem freira francesa, com apenas 26 anos, para confiar-lhe a missão decisiva de difundir no mundo o amor de Jesus pela humanidade, especialmente pelos pecadores. 

         A Encíclica apresenta o coração como manancial do amor, da compaixão e da justiça. Expressão da centralidade do cristianismo, não é um órgão separado, mas sim o sinal visível da totalidade do evento histórico Jesus de Nazaré como revelação da face íntima de Deus ao mundo (DV 4) e do homem para o próprio homem (GS 22). Do seu coração ferido pela lança derramam-se as pautas do reino de Deus ao qual dedicou-se completamente, por esta causa morreu na cruz e ressuscitou. Amar o Sagrado Coração é amar o reino de Deus ensinado pelo Profeta da Galileia.  A proposta do texto é para que aprendamos a pensar e a sentir a vida desde o coração, pois nele está a morada do amor em todas as suas dimensões: espirituais, psíquicas e até físicas. O coração não é apenas a sede da “profunda emoção” (n. 16), onde descobrimos quem somos, mas é também o lugar onde nasce o amor: oincondicional a Deus por nós, e do qual flui nossa capacidade de amar os outros. Em nosso coração, descobrimos o “fogo ardente” dessa capacidade, que permite “nos tornar, de forma completa e luminosa, as pessoas que devemos ser, pois todo ser humano é criado acima de tudo para o amor. Na fibra mais profunda do nosso ser, fomos feitos para amar e ser amados” (n. 21).

         Francisco convida-nos desde a Encíclica a colocar o Sagrado Coração como chave interpretativa para o mistério existencial de cada pessoa no sentido que apenas no amor e doação gratuita de si mesma encontra o significado profundo de viver. Nele descobrimos nossa mais alta vocação enquanto pessoa no mundo, posto que, o Filho de Deus encarnado é o melhor que a humanidade já produziu, aproximar-se dele e segui-lo é, sobretudo, um caminho de humanização. Retoma Heidegger em sua filosofia do ser, existimos e nos humanizamos à medida que cuidamos; cuidar é existir. Assim sendo, apresenta o Sagrado Coração como fundamento para interpretar os grandes problemas mundiais como: crise ecológica, guerras, desigualdade social, cultura do descarte, migrantes, povos originários e ódio de classe. Orienta-nos desde o Coração de Cristo praticar a justiça social, a solidariedade, construir pontes de diálogo, buscar unidade, defender os marginalizados, lutar por justiça, apoiar os necessitados, trabalhar pela fraternidade.

         Critica a cultura moderna tecnocrata e racionalista. Para isso, utiliza-se do conceito “sociedade líquida” do sociólogo Zygmunt Bauman para expressar a superficialidade e o consumismo do mundo atual em que tudo derrete como se fosse gelo, fluidez total. Nada é consistente, mas tudo passageiro (n 9). Na contramão, mostra que os valores do cristianismo são sólidos e permanentes. No Coração de Jesus encontramos a solidez do amor, da justiça e da dignidade da vida. Observa os riscos da Inteligência Artificial à humanidade, não podemos permitir que nossos sonhos, princípios éticos, políticos, econômicos e até religiosos sejam determinados por algoritmos. Nota-se uma grande força manipuladora no poder dessas tecnologias. Enfatiza a importância de preservar a poesia, a literatura, a história, as tradições familiares, culturais e sociais. O domínio da Inteligência Artificial poderá nos tornar cegos, no sentido de passarmos a interpretar a vida e seus processos a partir de algoritmos e não mais desde nossas raízes (n 20).

         A Encíclica convida-nos a deslocar a chave hermenêutica do racional, tecnológico, produtivo, consumista e artificial para o coração. O sentido não está apenas no intelecto, mas no afeto. Com diz Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece.” Ou a Regra de são Bento: “Escuta com os ouvidos do coração.” No caminho de Emaús os discípulos sentiram “o coração arder enquanto Jesus falava” (Lc 24,32), ou ainda, “Maria guardava no coração todas essas coisas” (Lc 2,16). Olhar a vida e os problemas do mundo desde o coração, com amor, paciência e amizade social.

         A Igreja precisa aprofundar o amor ainda mais do que reformar as estruturas. A pastoral deve ir ao encontro dos vulneráveis, abandonados e afastados. O Sagrado Coração é o alicerce da missão da Igreja, ou seja, os valores do Reino de Deus que brotam no Coração Sagrado é a direção de atividade missionária. O fundamento da Igreja sinodal não é a doutrina e a lei, mas o querigma do Cristo morto e ressuscitado que acolhe todos com misericórdia, amor e compromisso com a justiça social.

         A quarta Encíclica de Francisco nos exorta a viver e agir a partir do coração. Vale a pena lê-la!

Edevilson de Godoy
Paróquia Sagrada Família de Tatuí

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