A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO  COMO DEFENSOR DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO

EDIÇÃO 2277 – 27-4-2024

         Mais do que nunca, mostra-se essencial e de alta relevância a figura do Advogado cuja atuação profissional, como defensor dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, reveste-se de importância inquestionável !

         Pude assinalar, há alguns anos (2006), ao prefaciar o excelente livro “Prerrogativas Profissionais do Advogado”, escrito pelo dr. Alberto Zacharias Toron, conjuntamente com a saudosa dra. Alexandra Lebelson Szafir, que as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei no 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade dos direitos fundamentais das pessoas em geral, tais como formulados e proclamados em nosso ordenamento constitucional. 

         As prerrogativas profissionais dos Advogados, por isso mesmo, considerada a alta finalidade que lhes dá sentido e razão de ser, compõem o próprio estatuto constitucional das liberdades fundamentais ! 

         Já escrevi, em decisão que proferi como Relator na Suprema Corte de nosso País (HC 98.237/SP), que as prerrogativas profissionais do Advogado não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa, pois se destinam, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente do Advogado, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhe são confiados.

         Entendo, por isso mesmo, que o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores da União, compreendendo a alta missão institucional que qualifica a atuação dos Advogados e tendo consciência de que as prerrogativas desses indispensáveis profissionais do Direito existem para permitir-lhes a proteção efetiva dos interesses e direitos de seus constituintes, devem observar as lições fundadas em importantes precedentes jurisprudenciais de nossa mais Alta Corte de Justiça que, ao destacar a vocação protetiva inerente à ação desses imprescindíveis operadores do Direito (os Advogados), tem a eles dispensado o amparo jurisdicional necessário ao desempenho integral das relevantíssimas atribuições de que se acham investidos.

         Ninguém ignora – mas é sempre importante renovar tal proclamação – que cabe ao Advogado, na prática do seu ofício, a prerrogativa (que lhe é dada por força e autoridade da Constituição e das leis da República) de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido, o pleno exercício dos meios destinados à realização de seu legítimo mandato profissional.

         Já assinalei, com particular ênfase, em julgamentos proferidos em nossa Suprema Corte, que o Advogado – ao cumprir o dever de prestar assistência àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado – converte a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. 

         Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao Advogado incumbe neutralizar os abusos estatais, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias – legais e constitucionais – outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade  e a defesa de sua honra, de seu patrimônio e de seus direitos.

         O exercício do poder-dever de questionar, de fiscalizar, de criticar e de buscar a correção de abusos cometidos por órgãos públicos e por agentes e autoridades do Estado reflete prerrogativa indisponível do Advogado, que não pode, por isso mesmo, ser cerceada, injustamente, na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele em cujo favor atua.

         É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já advertiu que o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação – livre e independente – há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.

         Não se pode tergiversar na defesa dos postulados do Estado Democrático de Direito e na sustentação da autoridade normativa da Constituição da República, eis que nada pode justificar o desprezo pelos princípios que regem, em nosso sistema político, as relações entre o poder do Estado e os direitos do cidadão – de qualquer cidadão.

         O respeito às prerrogativas profissionais do Advogado constitui uma garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o Advogado, nesse contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

         Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito do Supremo Tribunal Federal (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito às prerrogativas profissionais dos Advogados, aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais e daquelas promovidas por Comissões Parlamentares de Inquérito , configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária , pelo Ministério Público ,  pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário ! 

         Mesmo o indiciado (ou o investigado) , portanto, quando submetido a procedimento inquisitivo, de caráter unilateral,  como o inquérito policial ou o inquérito parlamentar (CPI) , não se despoja de sua condição de sujeito de  direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem necessariamente conformar-se ao que prescreve o ordenamento positivo da República, notadamente no que se refere à intangibilidade das prerrogativas profissionais dos Advogados !

         Esse entendimento — que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição democrática — encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio (ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório), enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado nem conspurcados por suas autoridades e agentes ! 

         Cabe referir, nesse sentido, o autorizado magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT); ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, in “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT); ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva); ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE ( “O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, in “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT); PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal – Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey); ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60-61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial – Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros autores eminentes ! 

         Impende destacar, ainda, que o Advogado do indiciado (ou do investigado), quando por este regularmente constituído, tem o direito de acesso aos autos da investigação penal, não obstante esteja esta em tramitação sob regime de sigilo.

         É certo, no entanto, em ocorrendo essa hipótese excepcional de sigilo, e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução, que o indiciado (ou o investigado), por meio de seu Advogado, tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (…)” (HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

         Vê-se, pois, que assiste ao indiciado (ou ao investigado), bem assim ao seu Advogado, o direito de acesso aos autos, podendo examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em inúmeras decisões proferidas por nossa  Suprema Corte (INQ 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 86.059-MC/PR , Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a investigação esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do investigado (ou do indiciado) , desde que por este constituído, poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova formalmente já produzida nos autos (Súmula Vinculante n. 14) , tal como tem decidido o Supremo Tribunal Federal (HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE –  RCL 13.156 , Rel. Min. ROSA WEBER – RCL 37.848/PB , Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) ! 

         O Estado, de outro lado, sob pena de abuso de poder e de ilicitude da prova eventualmente obtida, não pode transgredir a cláusula de confidencialidade  que se revela inerente às relações entre Advogado-cliente, qualquer que seja a instância (administrativa, legislativa ou judiciária ) em que ambos devam manter entrevista ou conversação pessoal, livre e  sempre reservada ( EXTRADIÇÃO 1.085/Itália- questão incidental, Rel. Min. CELSO DE MELLO , DJ 1/8/2007 – RCL 57.996-MC/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, v.g.).

         Quanto ao direito à sustentação oral  nos julgamentos, sempre sustentei  – com apoio em valiosos precedentes do Supremo Tribunal Federal ( RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD – HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC 96.262/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO , v.g.) – que se trata de prerrogativa jurídica de essencial importância, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa ! 

         Por tal razão,  tenho para mim que a frustração desse direito afeta , profundamente, a garantia constitucional da plenitude de defesa, a significar que “O cerceamento do exercício dessa prerrogativa, que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa, enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita” (HC 86.551/SC , Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2009, v.g.). 

         Essa é, segundo penso, uma diretriz que deve sempre orientar, como verdadeiro “parágrafo régio” de nosso modelo constitucional, as Cortes Judiciárias em seus julgamentos, tal a magnitude de que se reveste, para as partes, notadamente para aquele que sofre a persecução criminal, o direito à sustentação oral !

CELSO DE MELLO (Ministro aposentado e ex-Presidente
do Supremo Tribunal Federal)

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