“O DIREITO DO CIDADÃO À LIVRE EXPRESSÃO DO PENSAMENTO”

O meu pensamento sobre o sentido e os limites constitucionais da liberdade de expressão  – franquia individual que não se reveste de caráter absoluto e ilimitado, mas que há de ser reconhecida como prerrogativa político-jurídica essencialmente ampla e livre, por traduzir um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos – tem por fundamento as razões que longamente expus em conhecido voto proferido na ADIN 4451/DF e em muitos outros votos que manifestei no Supremo Tribunal Federal no curso de pouco mais de 31 anos de ininterrupta judicatura nessa Alta Corte ! 

DAÍ a síntese de minha visão sobre essa liberdade fundamental que vai exposta neste breve texto a respeito de tema tão sensível quanto consubstancial ao regime democrático! 

NÃO se pode desconhecer que o direito de crítica e o direito ao dissenso – desde que não resvalem, abusivamente, quanto ao seu exercício, para o campo do direito penal, vindo a concretizar, em virtude de conduta desviante, qualquer dos delitos contra a honra (calúnia, difamação ou injúria) ou contra a paz pública (incitação ao crime e apologia de crime ou de fato criminoso) –, encontram suporte legitimador em nosso ordenamento jurídico, mesmo que de sua prática, excluídos os ilícitos que envolvam a falsificação ou a distorção criminosa da verdade (“fake news”),  possam resultar posições, opiniões ou ideias que não reflitam o pensamento eventualmente prevalecente em dado meio social ou que, até mesmo, hostilizem severamente, por efeito de seu conteúdo argumentativo, a corrente majoritária de pensamento em determinada coletividade.

Memoráveis, por isso mesmo, as palavras do “Justice”  OLIVER WENDELL HOLMES, JR. (que foi Juiz da Suprema Corte dos EUA), no caso “United States v. Rosika Schwimmer” (279 U.S. 644), proferidas, em 1929, em notável e histórico voto vencido (hoje qualificado como uma “powerful dissenting opinion”), então inteiramente acompanhado pelo Juiz Louis Brandeis, nas quais HOLMES deixou positivado um “dictum” imorredouro fundado na Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que reproduzo, a seguir, em livre tradução:

“(…) but IF there is any principle of the Constitution that more imperatively calls for attachment than any other it is the principle of free thought – not free thought for those who agree with us BUT freedom for the thought that we hate.” (“mas, se há algum princípio da Constituição que deva ser imperiosamente observado, mais do que qualquer outro, é o princípio que consagra a liberdade de expressão do pensamento, mas não a liberdade do pensamento apenas em favor daqueles que concordam conosco, mas, sim, a liberdade do pensamento que nós próprios odiamos e repudiamos.”) 

Trata-se de fragmento histórico e retoricamente poderoso que bem define o verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de manifestação do pensamento: garantir não apenas o direito daqueles que pensam como nós, mas, igualmente, proteger o direito dos que sustentam ideias que odiamos, abominamos e, até mesmo, repudiamos!

Não se pode desconsiderar o fato de que o exercício concreto, por qualquer cidadão ou pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão é legitimado pelo próprio texto da Constituição da República, que assegura, a quem quer que seja, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável ou contundente, irônica ou corrosiva, contra quaisquer pessoas ou autoridades.

Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática regular e legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5o, IV, c/c o art. 220)” 

(CELSO DE MELLO, Ministro aposentado

 e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal )

Deixe um comentário