CELSO DE MELLO
Ministro aposentado e
ex-presidente do STF
“Foi no dia 18 de abril de 1873 (há 150 anos, portanto) que se realizou na cidade de Itu , no Estado de São Paulo, na residência de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado (um sobrado edificado em torno de 1850) , a importante e histórica Convenção Republicana que, reunindo políticos e senhores de fazendas de café e de cana-de-açúcar da então Província de São Paulo, representou , naquele particular momento de nossa História , em pleno Segundo Reinado, um marco decisivo tanto no movimento pela instauração da República no Brasil quanto na fundação do Partido Republicano Paulista (PRP), agremiação partidária que viria a ter enorme influência política , tamanho o seu poder, ao longo da Primeira República, também denominada República Velha (1889-1930) , período no qual se praticou a “política do café com leite” , que viabilizou a alternância, na Presidência da República, de representantes de São Paulo (grande produtor de café) e de Minas Gerais (que dominava a produção de leite) !
Como registra o “Informativo da Divisão de Acervo Histórico” da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) , a cidade de Itu era , “à época , um dos grandes centros cafeeiros da província, e residência de várias famílias da elite paulista,” contando, então, “com 10.821 habitantes, dos quais 4.245 eram escravos”.
Mostra-se relevante identificar as cidades paulistas – entre as quais lamentavelmente não figurou Tatuí – que enviaram representantes dos respectivos Clubes Republicanos àquela Convenção , destacando-se, entre elas (porque tiveram o maior número de delegados) , as cidades de Itu (sede do encontro), Capivari, Porto Feliz , Campinas e São Paulo !
Foram as seguintes as cidades paulistas que, representadas por seus respectivos Clubes Republicanos, tiveram participação
nessa histórica Assembleia : Itu , Jundiaí, Campinas, São Paulo, Bragança Paulista, Piracicaba, Porto Feliz, Tietê, Mogi Mirim, Botucatu , Capivari, Sorocaba, Indaiatuba, Monte Mor, Amparo, Itatiba e Jau !
O já referido “Informativo da Divisão de Acervo Histórico” da ALESP observa que , “No livro de Atas [da Convenção de Itu], consta o registro de 129 participantes, sendo 32 de Itu, nove de Jundiaí, 14 de Campinas, nove de São Paulo, quatro de Amparo, quatro de Bragança, dois de Mogi-Mirim, cinco de Constituição (atual Piracicaba), quatro de Botucatu, um de Tietê, 14 de Porto Feliz, 14 de Capivari, cinco de Sorocaba, nove de Indaiatuba, um de Bethem de Jundiai (atual Itatiba), um de Vila de Monte Mor, um de Jau e dois do Rio de Janeiro.”
Esses dados são confirmados pela Doutora Anicleide Zequini , eminente historiadora e pesquisadora, que, em primoroso trabalho sobre a Convenção Republicana de Itu (“Registros da Convenção de 1873 e o Museu Republicano de Itu”, in Revista da Academia Ituana de Letras. vol. XVII, ano XVII, 2015) , fez nele consignar o seguinte e importante fragmento a seguir reproduzido :
“Segundo o jornal ‘A República’ , do Rio de Janeiro, em matéria publicada em 28 de abril de 1873, a Convenção de Itu poderia ter sido ainda maior, pois não haviam estado ali presentes núcleos republicanos importantes do interior como Itapetininga, Rio Claro e Pirassununga. Assim, em 18 de abril de 1873, às cinco horas da tarde e finalizando a meia da noite, iniciou-se a reunião política no sobrado de Carlos Vasconcellos de Almeida Prado.
No único documento da Convenção, o livro de Ata, doado ao Museu Republicano por Carlos Reis em 1923, ficaram registradas as deliberações para a formação e organização do então Partido Republicano Paulista, bem como os nomes e número de cada um dos 133 representantes dos Clubes Republicanos da Província de São Paulo. Nota-se, entretanto, que , no livro de Atas , consta o registro de 129 pessoas, sendo de Itu (32) , Jundiaí (9), Campinas (14), São Paulo (09), Amparo (04), Bragança (04), Mogi-Mirim (02), Constituição – atual Piracicaba (05), Botucatu (04), Tietê (01), Porto Feliz (14), Capivari, (14), Sorocaba (05), Indaiatuba (09), Bethem de Jundiai – atual Itatiba (01) , Vila de Monte Mor (01), Jau 01) e Rio de Janeiro (02).”
Vale observar que até mesmo a cidade do Rio de Janeiro, situada no Município Neutro (assim designado pela Carta Imperial de 1824, na redação dada pelo Ato Adicional de 1834) , então Capital do Império, enviou dois representantes , um dos quais – Cândido Barata Ribeiro – viria a ser Ministro do Supremo Tribunal Federal , nomeado pelo Marechal Floriano Peixoto , além de haver sido Prefeito do Distrito Federal e Senador da República !
Entre os republicanos históricos que participaram há 150 anos da Convenção de Itu , figuram , entre outros, os seguintes e importantes vultos : Prudente de Morais (que viria a ser Presidente do Congresso Constituinte que elaborou e promulgou a primeira Constituição republicana brasileira , além de Governador de São Paulo, Senador da República e primeiro civil a ocupar o cargo de Presidente do Brasil ) , Elias Álvares Lobo ( que compôs a ópera “A Noite de São João”, com libreto de José de Alencar, que foi a primeira ópera escrita em português e encenada no Brasil ), Américo Brasiliense de Almeida Melo (que, além de Governador de São Paulo, promulgou a primeira Constituição paulista e foi Ministro do Supremo Tribunal Federal ), Francisco Glicério ( que foi Ministro de Estado no Governo Provisório da República , além de membro do Congresso Nacional ), Ubaldino do Amaral ( que praticou a Advocacia em Sorocaba, onde fundou os jornais “Sorocabano” e “Ipanema”, e liderou a campanha para a criação da Estrada de Ferro Sorocabana, havendo sido Ministro do Supremo Tribunal Federal, Senador da República, Prefeito do Distrito Federal e Presidente do Banco do Brasil ), Bernardino de Campos (que foi Advogado, Governador de São Paulo, Presidente da Câmara dos Deputados, Senador da República e Ministro da Fazenda no governo de Prudente de Morais) e Campos Salles (que viria a ser Governador de São Paulo , Senador , Embaixador do Brasil na Argentina , Presidente da República e formulador da denominada “política dos Governadores”) .
Embora presentes, não assinaram a Ata da Convenção de Itu Prudente de Morais, Campos Salles e Albuquerque Lins !
A Convenção republicana de Itu foi presidida por João Tibiriçá Piratininga, natural de Indaiatuba, que viria a ser Presidente da Província de São Paulo, e secretariada por Américo Brasiliense de Almeida Mello, natural da cidade de São Paulo !
Cabe recordar que a Convenção republicana de Itu produziu importante documento – o Manifesto – que consubstanciou as conclusões aprovadas pelos representantes que dela participaram , cabendo observar que , no curso da Convenção, além da fundação do Partido Republicano Paulista , tres (3) foram os pontos fulcrais nela examinados e debatidos : (1) a instituição da República como forma de governo , (2) a opção pelo modelo federativo como forma de Estado , com a consequente outorga de ampla autonomia às províncias (hoje, Estados-membros da Federação) e (3) a repulsa ao trabalho servil , dela derivando a emancipação da mão de obra escrava !
É de assinalar-se, neste ponto, em face de sua relevância histórica, que o tema concernente à questão servil mereceu , no entanto, até a promulgação da Lei Áurea, abordagem caracterizada por uma explícita ( e intencional) ambiguidade por parte dos republicanos , notadamente de cafeicultores das Províncias de São Paulo (do Vale do Paraíba) e do Rio de Janeiro !
Extremamente pertinente , quanto a esse aspecto, a erudita observação da ilustre Professora Doutora Maria Fernanda Lombardi Fernandes (“Os republicanos e a abolição”, in Revista de Sociologia e Política , Curitiba, 27, p. 181-195, nov. 2006) , em lição que assim analisou a posição dos que perfilhavam o ideal republicano em face da proposta abolicionista :
“Para alguns membros do Partido Republicano e do movimento republicano de maneira mais ampla, a questão da abolição sempre se fez presente. Em termos doutrinários, para homens como Bernardino de Campos, Luis Gama, [José do] Patrocínio, Rangel Pestana e Silva Jardim, entre outros, não era possível dissociar a República da abolição da escravidão. Bernardino de Campos, ao longo de seus embates com os fazendeiros escravistas do partido [PRP] argumentava que a abolição era o primeiro passo para a República e que não se deveria dissociar as duas lutas, que eram uma só. Por outro lado, boa parte do núcleo republicano que se organizara em torno de Campinas defendia a escravidão e acreditava que o Partido Republicano deveria ficar fora da discussão. Mais do que a defesa da escravidão, o que os fazendeiros paulistas defendiam era a viabilização da lavoura por intermédio do suprimento de braços e a manutenção do direito de propriedade com a idéia da indenização (….).
Nos dizeres de republicanos como Luís Gama e Silva Jardim, não seria possível dissociar a Abolição da República (…).
Já a corrente majoritária de republicanos não via a abolição como uma necessidade intrínseca ao regime republicano. Isso porque seguiam, de alguma maneira, a trilha dos políticos imperiais que não viam problema em conjugar ideais liberais e a defesa da manutenção da escravidão.”
O Manifesto , que resultou da Convenção de Itu , foi assinado por 78 fazendeiros, dez médicos, oito advogados, cinco jornalistas, além de farmacêuticos, dentis-
tas e negociantes.”
